SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apesar da maior visibilidade de candidaturas LGBTQIA+ no país, especialmente no Legislativo, entraves financeiros e políticos, inclusive dentro dos partidos, impedem um aumento no número de eleitos, sobretudo no Poder Executivo.
Além das dificuldades de formação de lideranças desse segmento pelas legendas, não há incentivos financeiros a essas candidaturas, sub-representadas diante da população do país.
A falta de mais lideranças políticas LGBTQIA+ dificulta a institucionalização de direitos garantidos, como de casamento e de adoção por famílias homoafetivas, hoje consagrados por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Segundo a Aliança Nacional LGBTI+, organização sem fins lucrativos que luta pelos direitos dessa população no país, as eleições de 2022 contaram com 356 candidaturas LGBTQIA+ para deputados federal e estadual, além de senador e governador no país.
A entidade considerou para a conta o número de candidatos que se denominam publicamente LGBTQIA+. Não existem dados em relação aos pleitos anteriores, mas há uma percepção de avanço da pauta e de maior visibilidade dos parlamentares eleitos.
A maioria dos postulantes do segmento tentou vaga em São Paulo, com 66 postulantes, seguido por Minas Gerais, com 33, e pelo Rio Grande do Sul, com 31.
Ainda segundo o levantamento, 20 desses pleiteantes foram eleitos no país no primeiro turno, sendo cinco deputados federais, 13 deputados estaduais e um deputado distrital, e uma governadora -Fátima Bezerra (PT), reeleita para comandar o Rio Grande do Norte. No segundo turno também houve a vitória de Eduardo Leite (PSDB) no Rio Grande do Sul.
A organização registra ainda que a maioria dos LGBTQIA+ eleitos são do PSOL, com nove, seguido do PT, com cinco.
A proporção, porém, é baixa. O número de congressistas desse segmento social eleitos para a Câmara dos Deputados equivale a 1% do total de todos os assentos disponíveis: 513.
Esse número inclui as duas primeiras mulheres trans a ocupar cadeiras na Câmara: Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG).
Para Ricardo Sales, chefe executivo da Mais Diversidade, consultoria de diversidade e inclusão que opera na América Latina, a representação política da população LGBTQIA+ ajudaria a mudar leis em prol da institucionalização de direitos já adquiridos.
Ele diz que a comunidade se vê excluída de espaços onde há o poder de decisão, alegando existir ameaças LGBTfóbicas à atividade dos congressistas que os representam, além dos desgastes pessoais que essa violência política gera aos ocupantes dos cargos.
Sales afirma ainda que a população LGBTQIA+ não busca reivindicar privilégios, mas pensar em um modelo de sociedade que inclua todos os brasileiros. Para isso, ele cita a necessidade de as máquinas partidárias, uma das interlocutoras no poder, inserirem mais as minorias em suas estruturas.
Um dos motivos para a necessidade de maior representatividade dessa comunidade na política, segundo o chefe da Mais Diversidade, é a criação e consolidação de políticas públicas. “Com políticas mais azeitadas, há uma salvaguarda em caso de um governo mais conservador”, disse Sales.
“Quando há lei e há política pública, governos preconceituosos tem mais dificuldade de destruir todo o avanço do país para uma comunidade, como ocorreu na administração passada”, conclui, citando o retrocesso de políticas para minorias sociais no mandato de Jair Bolsonaro (PL).
A deputada federal Daiana Santos (PC do B-RS), mulher negra e lésbica em primeiro mandato na Câmara, diz que quanto mais o movimento avança, mais se acentua uma mobilização conservadora contra pautas como a da população LGBTQIA+.
Ela diz ver resistência de partidos em pautar a importância de representatividade em seus quadros. A congressista acrescenta, ainda, a necessidade de ir além da inserção de pessoas -é preciso pensar políticas públicas concretas para esse eleitorado.
Santos defende, ainda, a existência de mecanismo para inserir mais as pautas da comunidade no Congresso Nacional, especialmente para evitar a inviabilização das candidaturas desse grupo e do de mulheres e negros. Ela cita a PEC da Anistia, que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenta colocar em votação, sem sucesso.
Propostas de retirada de sanções às agremiações que não preencheram a cota mínima de recursos para as candidaturas de mulheres e negros nas eleições, segundo ela, fazem esses postulantes serem inviabilizados eleitoralmente.
“É fundamental que a comunidade LGBTQIA+ esteja inserida cada vez mais na política eleitoral do país para que possamos legislar e atuar em favor das necessidades dessa população. Estamos caminhando passos importantes e é fundamental que tenhamos um crescimento da bancada LGBT na Câmara, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, prefeituras, governos de estado e, sim, na Presidência da República”, concluiu Santos.
Foi apresentado em 2020 na Câmara projeto para reservar 30% das candidaturas dos partidos e coligações à pessoas LGBT+, sem prejuízo dos postulantes homens ou mulheres e em complemento à cota já existente de candidaturas femininas.
O texto ainda destina 30% do fundo eleitoral a essas candidaturas, além do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Alexandre Frota (então no PSDB-SP), autor do texto quando ele ainda era deputado federal, argumentou que lésbicas, gays, bissexuais e transexuais são as pessoas menos representadas na política brasileira.
Frota afirmou ainda que os avanços nos direitos para pessoas LGBTQIA+ vieram de decisões judiciais e que somente a representação dessa população trará maiores conquistas a este segmento da sociedade.
Apesar disso, a proposta está parada desde o dia de sua apresentação, não chegando a ser sequer apreciada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa. Em 2023 o deputado Diego Garcia (Republicanos-PR) foi designado relator da matéria, mas não há texto nem discussão em andamento.
Cleyton Feitosa, doutor em ciência política pela UnB (Universidade de Brasília) com tese sobre o movimento LGBTQIA+ e os partidos brasileiros, vê com bons olhos a iniciativa, por significar o reconhecimento do problema da sub-representação e das distorções do sistema político brasileiro.
Ele diz que as candidaturas deste segmento tendem a ser vistas pelas lideranças partidárias como candidaturas de nicho, dando a elas um caráter proporcional. Cita, ainda, a dificuldade de formação de lideranças políticas LGBT+.
Para Feitosa, candidaturas heterossexuais, masculinas, brancas e cisgêneras ficam favorecidas a cargos do Executivo porque as legendas investem em perfis mais palatáveis à sociedade, estruturalmente LGBTfóbica, a fim de conseguir o voto majoritário, necessário para esses cargos.
O cientista político entende ser necessário um arcabouço de iniciativas com efeitos ao longo do tempo para alavancar a representação da população LGBTQIA+ entre os Poderes e a sociedade.
Dentre as ações imediatas, cita o patrocínio financeiro, logístico e pessoal pelas siglas, além do levantamento de dados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para cobrar das agremiações ações mais incisivas de inclusão de minorias.
“É necessário um pacto nacional no sentido de fomentar esse debate, refletir soluções e implementar iniciativas institucionais, desde campanhas públicas de sensibilização a normativas e protocolos que assegurem a participação política com segurança como garantia constitucional e expressão dos direitos humanos.”